A validade dos avanços científicos,
seja do ponto de vista prático, seja do filosófico, vem sendo colocada em
questão em diversas situações. Por outro lado, muitas vezes, acredita-se
firmemente que o conhecimento científico é exato, neutro e o mais benéfico para
a humanidade. A primeira posição peca por ser pouco fundamentada, enquanto a
segunda já não se justifica, em nossa época, pela ingenuidade. Permeando essas
duas concepções aparentemente antagônicas, existe o percurso histórico do
conhecimento científico. Concebemos a ciência como a construção do conhecimento
científico em um processo histórico, contextualizado em um tempo e espaço
definidos, e, portanto, suscetível a mudanças. Entendemos que os conceitos
científicos são elaborados pelo ser humano diante de suas necessidades
concretas de existência e que, nesse processo de construção, cada novo
conhecimento gera conflitos, exige escolhas.
Assim, por ser uma construção humana,
uma forma simbólica criada pelo homem, contém as contradições inerentes ao ser
humano.
A construção do conhecimento científico
acompanha a história da humanidade e, ao longo do tempo, tem se organizado em
torno de alguns princípios:
•
Constitui-se em uma produção humana de domínio público, que não se confunde com
palpite ou opinião e pode ser confirmado e/ou negado por outros pesquisadores.
•
Caracteriza-se por uma estrutura sistemática traduzida em sistemas de
classificação, diagramas, gráficos, tabelas, conjuntos de leis ou pressupostos
teóricos.
•
Utiliza instrumentos específicos, indo além dos sentidos humanos, produzindo
conhecimento de longo alcance tanto para o infinitamente grande como para o
infinitamente pequeno.
• É
econômico, uma vez que permite generalizações por meio de conceitos unificadores
que devem ser mantidos em aberto, possibilitando alterações quando novos
conhecimentos as exigem.
•
Permite, numa leitura matemática, a mensuração da realidade por meio de medidas
(de tempo, temperatura, distância entre outras), transformando qualidades em
quantidades.
• É
uma realidade que articula dialeticamente teoria e instrumentos num processo de
criação mental e material que se efetiva em determinado espaço social.
•
Exige dos pesquisadores a definição do objeto da ciência a ser investigado para
fazer avançar o conhecimento de determinado aspecto da realidade.
Explicitada a concepção de ciência e
dos princípios da investigação científica, fazemos algumas considerações:
embora a identificação entre a “ciência dos cientistas” e a “ciência da escola”
pareça de fácil compreensão, lembramos que, tendo como referência o
conhecimento científico, a disciplina de ciências ensinada na escola exige
“transposição didática”.
A transposição didática refere-se a um
processo em que o saber científico passa por uma série de transformações e
adaptações até constituir-se em “saber ensinado”. Isso ocorre porque o
conhecimento científico, ao se transformar em conteúdo escolar, sofre um
processo de descontextualização e transformação para tornar-se um conteúdo a
ser aprendido no contexto escolar. A ciência escolar, portanto, não se
identifica integralmente com o conhecimento científico, uma vez que esse
conhecimento deve ser submetido a um processo de transformação para que possa
ser apreendido pelas crianças.
Ao pensar o ensino de ciências, a
primeira questão que se apresenta é a importância que os conhecimentos
científicos têm para a vida das crianças, principalmente quanto às demandas
sociais em decorrência do desenvolvimento tecnológico e científico. Sabe-se que
a criança constrói seus conceitos e apreende de modo mais significativo o
ambiente que a rodeia, mediante a apropriação e a compreensão dos significados
apresentados no ensino de ciências naturais. Embora o conhecimento científico
aconteça de diversas formas e em diferentes ambientes, é na escola que os
conceitos científicos são normalmente introduzidos de forma sistematizada. Por
outro lado, os alunos encontram não apenas dificuldades conceituais, mas enfrentam
problemas no uso de estratégias de raciocínio e solução de problemas, na
leitura e interpretação de textos próprios do trabalho científico, que precisam
ser consideradas.
As atividades de ensino empregadas nas
aulas de ciências, assim como nas demais disciplinas escolares, devem ser
planejadas de modo que as ideias, as teorias e o conhecimento que os alunos
trazem para a escola, possam ser aproveitados, completados e desenvolvidos. A
aprendizagem consistente de novos conteúdos requer mudanças conceituais
similares àquelas observadas na produção do conhecimento científico em que
hipóteses e teorias anteriormente vigentes são reformuladas ou substituídas,
envolvendo rupturas e mudanças de rumo. Assim, durante o processo de
aprendizagem, espera-se que, ao longo do tempo, o indivíduo abandone concepções
inadequadas do ponto de vista científico e as substitua por concepções
cientificamente aceitáveis.
Textos organizados pelas autoras: Lízia
Maria Porto Ramos e Amélia Pereira Batista Porto. Fonte: Um olhar
comprometido com o ensino de ciências / Amélia
Porto, Lízia Ramos, Sheila Goulart. Belo
Horizonte: Editora FAPI, 2009.
Sugestão de link sobre o assunto
MOÇO, Anderson. Iniciação científica nas séries iniciais. Disponível em: